quinta-feira, setembro 10, 2009

A VIDA NÃO É UM LIVRO

Desci as escadas e já na rua observei que a cidade havia sido tomada por uma estranha névoa, uma atmosfera muito antiga, a cidade em sépia, tão igual e tão distante de tudo que sempre fora, quase perdida como Avalon entre as brumas. Por certo alguma providência, a divina Mão, quem sabe, preparava o cenário de um reencontro.

Não seria a primeira vez que veria Tereza. Nossas vidas se encontraram faz muito tempo, mas a correnteza levou... Essa era a questão: um reencontro quinze anos rio abaixo. Sim, quinze anos com seu ritmo próprio, ora lento, ora veloz, entre ligeiros contatos e frustradas tentativas de religar as pontas do que havia escapado. Quinze anos é muito tempo e tudo havia sido inútil, até então.

Dessa vez acho que é pra valer! Voltei a morar na mesma cidade, Niterói ainda estava ali e ela também. De repente, cruzamos nossos passos apressados, quase tropeçamos na Pedra de Itapuca. Um susto, a surpresa e lá estávamos feito crianças roubando mútuas histórias. Faltava fôlego! Afinal, era tanta coisa que o tempo furtara. Lembramos na última hora que telefones existem, trocamos números e ficamos a espera...

Pronto, em uma semana estava tudo marcado. Confesso que o coração andava meio sobressaltado. Um coração nostálgico, amolecido, girando entre rodas gigantes, saias de baianas, moinhos de vento. As lembranças iam e vinham, desconfiadas feito pombas famintas surpreendidas no chão. Será que ela também pensava nesse encontro?

Do táxi liguei para ela e no telefone sua voz parecia cada vez mais próxima! Ela aguardava numa esquina: quinze anos, afinal, não foram mais que um demorado engarrafamento. A vida e ela, com seus olhos em stand by, de pé sobre as próprias pernas, pernas de Tereza que o poeta celebrou, mais a cidade e a esquina...

Tereza entrou falante no carro, disfarçava a tensão. Frases de efeito, piadas de arquivo, tentativas vãs de emendar conversa, logo abortadas. Não estava na hora ainda, mas já chegaria. No bar, enfim, as palavras e a sede e o chope foram aos poucos restabelecendo a alquimia da amizade. Sim, dessa entidade chamada amigo que a gente reconhece sempre, que bota aspas no tempo. Amigos, esses seres dignos de fé!

Mas eu queria mais! Queria saber o que estava escondido lá no fundo da bruma que havia envolvido a cidade, a mesma bruma que julguei perceber nos olhos de Tereza. Enquanto ela falava dos homens que se foram e do dinheiro que não juntou, aquilo tudo foi se tornando espesso, adensando um sussurro de experiência. Sim, um lamento de experiência pesando toneladas de razões...

Trovões e raios cruzaram o céu dos olhos dela. Dos meus solidários olhos, desceram tímidas gotas que se perderam na liquidez do sereno, ninguém viu. Deixei Tereza em casa lá pelas tantas, já bem tarde, quando só a cidade e os deuses não dormem. Saciada de lembrança, voltei para casa e pousei a cabeça no frio bom do travesseiro.

Sonhei que na travessa onde ainda vive Tereza, acho que só nela, desceu uma forte enxurrada naquela noite. O dia seguinte amanheceu claro e azul, prometendo alvíssaras no próximo capítulo do infinito livro das revelações de Tereza.