terça-feira, maio 15, 2012

O DIA DO JUÍZO

Vejo no céu uma enorme esfera prateada. Lentamente a bola se aproxima e pousa em um lugar próximo, causando suspense, estranheza. Paralisada, imaginei que aquilo fosse de repente explodir. Das pequenas aberturas furadas ao redor da esfera começou a vazar um gás branco que lentamente ia tomando conta de tudo. A nuvem branco-acinzentada cobria a paisagem, pairando na atmosfera. Sentia o perigo iminente. Atordoada, pressenti que precisava fugir. Fugir para onde? Não havia resposta.

Como bichos acuados, largamos tudo e partimos embolados no único automóvel disponível, eu e os meninos, que não entendiam muito bem o motivo da fuga. A rigor, ninguém percebia, exatamente. Quanto mais nos afastávamos da cidade, mais era possível constatar que o medo e a desolação estavam ali, aqui e em toda parte. Muitos iam e vinham como nós, para lugar nenhum. Os rostos tomados de pânico, agarrados aos filhos, aos animais de estimação e a uma quinquilharia qualquer, que fosse possível pegar.

Pelas estradas, muita gente fugia a pé. Trôpegos, retirantes sem destino sob um céu grafite, a multidão pressentia, cada vez mais perto, a nuvem esbranquiçada que se espalhava lentamente. Seu efeito letal era visível na paisagem lunar: campos exaustos e ressequidos e árvores perdendo as folhas, animais agonizantes e mortos. Aceleramos o passo, na intenção de deixar para trás o cenário desolador, mas tudo parecia embebido naquela atmosfera ácida, medonha, pesada, aterradora.

Os meninos, inconformados, choravam, questionavam, pediam explicações. Não sabíamos o que dizer, não se tinha mesmo muito lá o que dizer. Apenas a fuga era certa, era necessário fugir, mesmo sem saber para onde. De repente, ocorreu que talvez pudéssemos tentar contato com alguém, saber até aonde acontecia aquilo, embora nossos corações possuíssem, em segredo desesperante, a resposta. Mas os celulares estavam mudos. O rádio do carro não sintonizava freqüência alguma. Ali estávamos nós, ilhados no nada.

Avistamos um pouco mais à frente um grupo que se revezava em torno de uma banca. O que viam? Resolvemos ir até lá, em busca de informações, uma boa nova, talvez... Uma mulher vendia flores e, sobre a banca repleta, algumas delas davam sinais de degradação. Murchas, sem viço, algumas queimadas como se tivessem sido mergulhadas em ácido. Mesmo assim as pessoas queriam notícias e flores, disputando as melhores. Numa atitude insensata, duas mulheres começaram uma briga...

Corri os olhos pelo descampado. Aves sôfregas, pequenos animais trôpegos agonizavam pelo chão. Outros erravam bêbados e convulsivos, em direção ao nada cinzento que fulgia no horizonte. Olhei mais uma vez os meninos, a desesperança nos olhos, o pavor tomando conta de todos. Avancei contra as mulheres que ainda discutiam, gritei com a força que ainda possuía nos pulmões, Vocês todos não se deram conta do que está acontecendo? Estamos morrendo, irremediavelmente! Nossos filhos e amigos morrem aos poucos, tudo que é vivo está morrendo!

O impacto daquelas palavras aquietou um pouco a multidão que se aglomerava, ameaçando entrar na disputa pela flor. Abracei meus filhos, meu marido e chorei convulsivamente. As pessoas olhavam, apenas, perplexas, sem mover um dedo, um músculo. Juntei o pouco de forças que ainda restava e soprei para os céus um pedido a Deus, que me acordasse, que me arrebatasse daquele pesadelo, que me fizesse descobrir que tudo não passava de um sonho ruim. Que não era, ainda, a hora de nada.

Ao longe, pressenti passos, alguém vinha vindo, se aproximava devagar, vinha não sei de onde, cada vez mais perto, súbito a mão carinhosa tocou suavemente meus cabelos, dizendo – Acorda, já vou trabalhar. Dei um salto e corri para a janela, arrastei violentamente a cortina do quarto, lá fora fazia um dia azul, de sol brilhante. Árvores verdinhas e mães passeando com seus bebês à sombra, nas calçadas. Abracei meu marido, engoli o choro e agradeci a Deus por ouvir minhas súplicas. Foi só um pesadelo. Não era ainda o dia do Juízo.