quinta-feira, setembro 14, 2006

A BABÁ DE TÚLIO

Certamente GG Márquez nunca morou na vilazinha estranha e esquecida onde nasci e me criei, lá perto do fim do mundo. Mas quem conhece a Macondo do escritor poderá sentir-se perfeitamente em casa em Itambí, lugar de acontecimentos insólitos e de situações divertidas e imperfeitas, como a própria natureza humana.

Veio morar em nossa rua, certo dia, uma senhora baiana com seu filho pequeno, o cachorro e uma bagagem imensa. Foram se acomodando aos poucos diante daqueles olhares maldisfarçadamente curiosos da vizinhança afoita por novidades.

Chamava-se Dona Elza, lembro bem. Era atarracada, cabelo meio zangado, expressão forte e gênio não menos. Cuidava da vida dela enquanto a Vila inteira observava de longe. Estranhos eram até bem vindos, mas tinham seus segredos espreitados e a eles acresciam-se mistérios insondáveis...

Tudo ia muito bem até que Dona Elza resolveu que seu filhinho precisava de uma babá. Afinal, o trabalho não lhe dava folga e o menino ainda pequeno ficava mesmo à deriva.

Foi aí que, sem dar explicações à Vila, ela contratou para os serviços de babá um homem. Na verdade, era um mulato forte, temperamental, muito bravo e... gay. A Vila inteira não entendeu o que julgava ser uma insanidade. Dona Elza só podia ter enlouquecido! Correu mesmo à boca pequena a idéia de interditá-la. (Quem teria peito para isso?)

Ela fez vista grossa, fechou os olhos e os ouvidos: afinal, estava satisfeita com os cuidados precisos e as atitudes firmes que o babá Fratonildo (esse era o nome dele) dedicava ao seu pequeno Túlio. A Vila incomodada remexia, borbulhava, revirava como um vulcão prestes a rugir... Mas o que se há de fazer?

Nas manhãzinhas, era obrigada a conviver com Fratonildo levando Túlio para o passeio na única pracinha do lugar. Justiça seja feita, como ele cuidava bem do menino! As fofoqueiras e os aposentados, os bêbados e os desvalidos, crianças, cachorros, gatos e vadios que freqüentavam a pracinha foram aos poucos se acostumando com aquela idéia maluca de Dona Elza.

Até que um dia, misturado ao drama, puderam tirar da situação um pouco daquela escassa alegria que o lugar também oferecia. Era um dia chuvoso e frio. Fratonildo, vendo que o menino patinava, prestes a mergulhar na poça d’água, gritou com aquela voz de contralto, bastante afetada, borboletando no ar os braços compridos: – Sai da lama, Túlio!

A Vila inteira riu! Riu muito e fez disso um bordão: dali em diante, em toda situação de perigo ou na iminência de pequenas e grandes tragédias inesperadas, o povo gritava numa única voz: – Sai da lama, Túlio!

Desde então, ninguém mais se lembrou que Fratonildo era uma babá e que era gay. Afinal, fora acolhido como um deles! Uma bela vitória daquela baiana alienígena, com nome de leoa, chamada Elza.

2 Comments:

Blogger [m_] said...

Ah, Cleir!!! Só você, sabe??
:-)))))))))

To viciada nisso aqui. Entro milhões de vezes pra ver se você atualizou, se colocou mais textos coisa e tal.

Eu, que me ocupo poucas linhas e me conto em poucas palavras, "entro" nas suas histórias e mergulho fundo. É tão bommmmmmmm!!!!!!!!!!!!!

:-)

Beijo grandão procê!!
Margarida

9:34 AM  
Blogger [m_] said...

to esperando outros textos!!!
:-)

beijos!!!!

11:51 AM  

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