DONA OSMARINA
Entre lembranças e surpresas que uma visitinha
breve à Itaperuna, de acolhimento e calor escaldantes, nos proporciona, é de
lei encomendar ou levar de vez, se tiver pronta, aquela linguicinha artesanal. Batemos
palma e ela veio nos receber pelas grades da varanda. O rosto era ainda o
mesmo: uma ruga nova aqui, outra acolá, algumas manchas de pele que a idade incluiu,
nada que mexesse na simpatia e na expressão tranquila e segura de sempre.
Alguma dificuldade de locomoção, percebe-se
quando vai conferir o que tem de estoque, e de memória. Antes nos apresentamos:
“A senhora não deve se lembrar de mim”, Everardo caprichou, “sou o Dadinho,
filho da Isabel, do 10 de Maio.” Algumas conexões muito antigas reconstruíram
sentidos dentro dela, uma luz quase brilhou nos olhos embaçados: “Isabel,
claro, lembro muito da Isabel”.
“Então você é o Dadinho”, ela emendou.
Aproveitamos o lampejo e rememoramos o tempo de freguesia daquela famosa
linguicinha e do “bucho recheado” (demoramos a nos convencer de que
o nome não traduzia completamente a verdade da coisa). Dadinho completou: “Desde
os tempos do CIEP, há quase trinta anos!” Investigativa, eu quis saber desde
quando ela fazia isso que a moda convencionou chamar de artesanal. “Quarenta
anos!”.
Nessa hora, num looping de sentidos, nossas
memórias turbilhonaram: foi um tal de contar histórias, tempos e lembranças, em
silêncio, só pra dentro, sem pronunciar palavra. Ela trouxe o que tinha,
embrulhado naquele antigo papel cinza de açougue, voltou pra buscar o troco,
fez mais perguntas, já não queria nos deixar partir, queria conversar, e por
algum tempo mais, não sei quanto, conversamos.
Saímos silenciosos e pensativos, entramos no
carro e o perfume da linguiça de porco temperada e defumada tomou conta do
ambiente. Foi uma viagem no tempo, antecipando o prazer daquele momento em que,
em algum lugar, sempre acompanhado de elogios, regado por algumas cervejinhas,
sabor e aroma nos traria de volta, por inteiro, ponto por ponto, um tempo recuperado,
como conta um livro famoso.
Misturando e temperando carnes, salgando e
mexendo os potinhos de ervas, quem sabe cantando cantigas ainda mais antigas
que essas memórias, Dona Osmarina talvez não faça ideia do que tudo isso
provoca na gente.
Ah, ela mandou um
abraço pra Isabel, mas infelizmente já não podemos dar!
5 Comments:
Lindo texto! Amei.
Dona Osmarina faz parte da nossa história! Agora se tornou personagem de uma história. Parabéns pelo texto!
Qual o endereço da dona osmarina. conheço a linguiça
Belíssima crônica!
Parabéns, Cleir! Feliz Aniversário! Meu abraço e abraço da Academia Itaperunense de Letras!
Minha mãe mulher guerreira , obrigada pela atenção e carinho rua para 192
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