sexta-feira, setembro 29, 2006

NUM VALLE SEM CLÉA

Certas mulheres foram e ainda são imprescindíveis na minha vida: com elas aprendi coisas demais... Assim, como se elas fizessem parte de um jogo de montar e desmontar, cada uma com seu encaixe e com sua função. Me ensinam, me guiam, me fortalecem, me mostram caminhos. Me entregam doces para que eu leve à casa da vovozinha e uma baita espingarda debaixo da capinha vermelha, pra detonar o lobo mal.

Sábias, sem que ao menos soubessem que eram. Guerreiras, mais por instinto e senso de sobrevivência que por decisão. Gosto de falar delas. Me dá a sensação de que estou falando um pouco de mim. Começo por minha mãe: ontem fez alguns muitos anos que a perdi. Curiosa essa proximidade do começo com o fim.

Que lindeza de pessoa ela era! O amor por seu semelhante, a fragilidade diante dos dilemas existenciais, carregando sempre a dor do mundo no seu coração. Hoje – quando sou forte e quando sou fraca – vejo que me pareço um tanto com ela. Mas os filhos, bem, os filhos se compõem de partes dos pais, e uma parte do que sou traz a marca do meu pai. Ele enxugava em mim tudo o que em mim transbordava dela.

O envolvimento nos dilemas alheios, por exemplo, sem que muitas vezes pudesse fazer qualquer coisa. Se à sua porta batesse um pedinte implorando ajuda, lhe daria comida, roupas e... conversa! Com certeza, ficaria por ali um bom tempo querendo saber, querendo ouvir, querendo entender. Que decisão íntima conduziria alguém a essa condição? Mendigos têm família, amigos, amores? Acaso seria possível, num lapso de sorte, coragem ou decisão, deixar de sê-lo?

Minha mãe era assim: intensa, doida e apaixonada; terna, irmã e, sobretudo, filha do pai. Incondicionalmente, filha do pai! Pareciam feitos, ambos, do mesmo barro de Itambi. Nunca vi um amor tão grande, uma dedicação tão completa, uma cumplicidade tão irrestrita como entre ela e meu avô. Nunca vi uma dor como aquela, gritando pra dentro, quando ele morreu. Pensei que ela não suportaria e tive muito medo de perdê-la.

Trágica, exagerada, assim ela queria amar e ser amada. Mas não se deu tempo! Preferiu encurtar o caminho... Um dia pegou um atalho por entre a lavoura de abacaxi, levando a marmita pro velho Cid Valle que a esperava, embecado nos seus costumeiros ternos de linho branco. Ensaiando passos, rodopiando por sobre os canteiros, talvez esperasse a filha amada para o último bolero.

Enquanto isso, dilacerada, eu gritava: – Mãe, cadê você? Que mania é essa de sumir de mim... Logo agora, que não sei o que faço com a tristeza desses meus vinte anos blue?

4 Comments:

Blogger [m_] said...

ai... que lindo, que lindo, que lindo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

o que mais posso dizer?

suas palavras tocam bem fundo a alma da gente...
esse texto foi quase um grito.
lindo, lindo, lindo!!

beijos

1:20 PM  
Anonymous Anônimo said...

Olá!
Não nos falamos faz muito tempo, sei disso, mas você conseguiu com que eu chorasse em meu trabalho ao ler esse texto. Eu que tantas vezes compartilhei a fragilidade, a doçura, as gargalhadas que faziam Cléa ficar rubra e subir-lhe a pressão (e eu é que lhe acmpanhava ao hospital!rsrs).
Talvez você não saiba o quanto eu amei sua mãe e o quanto eu me lembro de suas estórias (e dos caranguejos também! rsrs).
Beijos,

7:32 AM  
Anonymous Anônimo said...

Cleir,

Parabéns pela homenagem, mais do que merecida, à sua mãe. Ela foi e sempre será uma santa, a Deusa da bondade de Itambi. Itambi até hoje sente sua falta. Eu convivi o bastante com ela para fazer essa afirmação.

Felicidades!!!

4:19 AM  
Anonymous Anônimo said...

Cleir,

Escreva mais sobre sua mãe. Isto ajuda a suprir a sua falta. Além do mais qualquer homenagem feita a ela é sinônimo de reconhecimento pela pessoa M A R A V I L H O S A que ela foi.

Abraços!!!

4:47 AM  

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