quinta-feira, abril 09, 2020

VAI PASSAR

Acho que ninguém nunca me perguntou acredito em Deus. Mas, temente e respeitosa, cheia de adoração e fé, respondo em silêncio pra mim mesma: eu acredito. Embora nas minhas aflições e nos meus agradecimentos a imagem que evoco é a de um velho com longas barbas brancas, o olhar sereno e firme de quem tudo sabe e tudo pode, algo me diz, com quase toda certeza, que Ele é pura energia. Também acredito que as religiões são misteriosos canais de conexão com essa energia (claro, desde que não faça comércio da fé alheia, visando enriquecimento e domínio de território).

Ouvi de uma amiga que um parente espírita teria comentado que alguém recebeu uma mensagem espiritual contendo o alerta de que o Bem e o Mal estariam travando uma luta mortal em algum lugar do espaço, nesse momento sombrio. E que nós fazemos parte desse combate: precisamos de prece, muita prece, muita luz e boas vibrações, energia positiva pra favorecer o lado bom! Na minha ingenuidade nessas coisas de fé e espiritualidade, assumi que vejo sentido, que concordo muito com tudo isso. E aí lembrei de uma história curiosa e divertida que rolava na minha família.

Certa noite, um tio cético, ateu convicto, que debochava frequentemente dos tementes a Deus da família, saiu para pescar nas águas turvas, bem ali no fundo da baía de Guanabara. A mesma baía que trazia peixe e caranguejo, que dava a madeira de mangue para sustento da velha Vila de Itambi, e que, ainda por cima, rendia histórias infinitas. A dele garantia gostosas gargalhadas nas noites calorentas, ao luar, debaixo da grande jaqueira do quintal, quando a família se reunia pra prosear e, claro, zombar uns dos outros.

A pescaria noturna do tio foi surpreendida pela súbita virada da canoa, todos mergulhados nas águas escuras e espessas, saturadas de lodo e óleo, naquele canto sem glamour da baía. Meu tio não sabia nadar, e não sendo homem de fé, era candidato certo à tragédia. Em desespero, tratou de gritar e implorar clemência, rogando a uma santa desconhecida por toda aquela comunidade piedosa: valei-me minha Nossa Senhora do Ó! Guiado pela fé até a margem, são e salvo, teve que explicar depois a toda a família, que gritaria era aquela, que santa era aquela que ninguém conhecia. Claro que virou trolagem na família: nosso pobre tio nunca mais duvidou da fé de ninguém, muito menos da dele.

Nesses dias em que a tristeza mais reforça minha crença na existência de Deus, em forma de energia ou de luz ou de bondade, rogo a Ele que se manifeste nesse planeta tão estranho - repleto de gente que parece crente por fora, mas esconde oportunismo e descrença por dentro, como também daqueles (como meu pobre tio) que trazem só pra si uma fé que não revelam externamente - que se manifeste e traga paz e esperança aos corações, renovando nossa humanidade, nosso amor ao próximo. Que nos dê mais uma chance de provar nossa capacidade de amar e de cuidar da Casa-Terra, dando força e sentido à nossa prece: vai passar, vai passar...