domingo, novembro 19, 2006

FELIZ CUMPLEAÑOS, ISABELITA

Nossas vidas a princípio não tinham que estar cruzadas: ela morando, como sempre, lá nas lonjuras de Itaperuna, eu vivendo na tribo, em Itambi, e aprendendo a desbravar Niterói. Mas foi aí que a mão do Destino, essa mão misteriosa na ponta de um braço longo e imprevisível, nos aproximou e nos uniu! Vai saber por quê!?

Entrei na vida dela de uma forma um tanto desgovernada, os puristas diriam, pela porta dos fundos! Quebrei o ritmo e a vidraça. Desfiz convenções, armários, consertos e arrumações. Ela quase me odiou (se pudesse odiar) e estabelecemos um embate. O casamento da Laninha com o Zé Roberto estava marcado para março e seria lá: combinamos o duelo...

Leitora e leitor desavisados e amigos, falo de Isabel. Isso, Isabel com “s”, minha... bem, que palavra coloco aqui? Depois que as piadas e as histórias, verdadeiras ou imaginárias, inventaram um tom pejorativo para a palavra “sogra”, ela não cabe mais neste lugar. Ponhamos então Isabel, com “s” de sinceridade, minha amiga.

Naquela tarde eternamente caliente de março, a Igrejinha de São Francisco, em Niterói aguardava os convidados. Enquanto me vestia pensava com meus botões (e brincos): que armas usaria? Busquei a ajuda do meu pai, Edgar sempre presente e disposto a ajudar, principalmente diante da recente perda de minha mãe. E partimos para o grande encontro, pouco depois do nascer do sol.

A vista da praia, do alto do morrinho de São Francisco, era lindíssima! A igreja florida aguardava os convidados – convidados para o que, mesmo? – e meu coração deflagrava uma enorme dúvida: quem venceria o duelo? Aproximei-me, entre turrona e tímida, observei seu rosto, igualmente curioso e tenso, fitei seus olhos e então não tive dúvida: tudo sairia bem!

Fiz pose, mostrei as armas (e os brincos), cantei alto no terreiro da igrejinha, enfim... Mas alguma coisa dentro de mim, muito silenciosamente, indicava que eu não bati em porta errada. Alguma coisa me dizia palavras de admiração e ternura. Ela sentiu a mesma coisa, tenho certeza! Acariciamos as armas (e os brincos) sem sacá-los. Ficamos só no suspense. The End: as letrinhas do final do filme começaram a correr na tela da imaginação.

Os anos se passaram...

Com o tempo, tomei liberdade para chamá-la Isabelita, essa mãezona que transita entre Lorca e Almodóvar. Uma mulher verdadeira, que tem nas veias o vertiginoso fluxo do sangue espanhol, encarnando la madre hispânica ou, mais proximamente, las Locas de Mayo até às últimas conseqüências... Intensa e presente, atenta a cada movimento em falso dos seus. Isabel é assim: agregadora e cuidadosa, sensitiva, zelosa como convém à boa mãe espanhola.

Hoje, Isabel Alvarez (nome de la sangre que não carrega, mas que lhe cairia muito bem) completa 74 anos. Vinte e tantos deles convivemos muito de perto, depois daquele primeiro duelo que não aconteceu! O que eu diria a ela hoje? Que valeu a pena, Isabelita! Pelas infinitas conversas, eu achando que sabia mais e o tempo me fazendo ver o contrário. Pelas muitas lágrimas que você viu escorrer no meu rosto sem dizer palavra, sentindo comigo, como eu bem gosto! Pelo silêncio, nosso jeito natural e sem frescuras de demonstrar cumplicidade e afeto...

Está próximo o dia do retorno ao nosso duelo que não houve, Isabelita, adiado desde o começo dos anos 80. Carolina, sua neta mais velha, vai se casar naquela mesma igrejinha! De novo os convidados e os dedos polindo as armas (e os brincos): quem sacará primeiro? Será ainda preciso? Afinal o tempo, senhor de todas as verdades, já nos mostrou com quantos paus se faz uma canoa e com ela, que tal uma voltinha pelas águas calmas da enseada de Charitas?

Remando, remando e olhando a rosa dos ventos! Conferindo que tudo é propício para a prole mergulhar... Feliz cumpleaños, Isabelita! Tienes razón. Tu hijo vale mucho. Como los míos que el tuyo me ha dado.

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Pois é, mãe... sem palavras pra descrever a vó!
Parabéns pra ela!
E parabéns pra você pelo texto.
Beijão!

2:44 PM  
Anonymous Anônimo said...

Se eu fosse sua sogra ficaria um tanto quanto lisonjeada...
Parabéns pela idade e sagacidade (ih, até rimou) da D. Isabel!

Beijos pras duas.

6:31 PM  
Anonymous Anônimo said...

...aliás, sogra não! "amiga"!
;)

6:32 PM  
Anonymous Anônimo said...

Ainda falando em mãe... estes dois últimos posts estão mesmo de arrasar!!!
Feliz dia da D. Isabel!

7:27 PM  

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