quarta-feira, dezembro 29, 2010

A ÁRVORE É O NATAL

Desci a ladeirinha embalada. Trazia de cor as instruções: um galho seco, alguns gramas de algodão sem peso, umas caixas de fósforo dissimuladas para presente, um coração que batia no compasso da descoberta. Aprendi a fazer um natal, aprendi o que era o natal! Nunca pensei que fosse coisa que só se aprendesse fazendo, era minha primeira vez!

“Qual foi sua primeira referência de natal?”, ele me perguntou, meio intrigado e instigante. Por certo tinha lá suas lembranças pessoais, e me perguntava pela chance de tirá-las de dentro da caixinha da memória. Ou talvez não, talvez quisesse mesmo conhecer algo de mim que nem mesmo eu conhecia expressamente. O amor tem dessas coisas de poder.

Fiquei pensando e pensando, e só vinha aquela imagem da improvisação da árvore, uma imagem sem folhas e frutos, ressecada como o próprio galho que apanhei lá no quintal. Acho que depois de pronto, gostei; sei lá, não sabia direito que lidava com costumes, tradições, essas coisas de antes; era, para mim, mais novidade que recordação. Mas ainda faltava alguma coisa...

Na verdade nunca havíamos falado naquilo antes, nem na família, nem na vila, muito menos entre amigas. Enfim, natal não era uma coisa falada, nem vivida. Dizem que quando algo não está na linguagem, então não existe. O que era Jesus Cristo para nós, daquele lugar sem natal? Um dia, uma professora vinda de fora nos ensinou a fazer a árvore.

Acho que a árvore trouxe o natal. Agora me lembro de meu pai compartilhando a busca pelo melhor pedaço de árvore, no mato lá fora. Distribuindo a neve de algodão pelos galhos ressequidos. Envolvendo caixinhas de fósforo em papéis coloridos. Acho que me lembro. Meu pai fazendo de mim a menina que tinha uma árvore, a menina mais feliz daquela vila.

Não me lembro de sapatinhos na janela e presentes; de neve e trenós puxados por renas galhudas, porque na vila não nevava e os burrinhos trabalhavam muito durante o dia; de bom velhinho de longas barbas brancas, que não fosse Filhinho Rosa, o mendigo; minha casa não tinha chaminé, não havia ceia com nozes e perus, porque meu pai simplesmente não tinha dinheiro.

Naquele ano, coloquei sobre a mesinha da sala uma coisa maltrapilha, espectral, ao mesmo tempo rude e tão frágil, um artefato pós-moderno que nos atirava para além do que antes talvez fosse a nossa estranha modernidade. Achei bem feio, na verdade, a nossa árvore, mas não disse nada, sei lá, algo me dizia que não sabíamos muito bem o significado daquilo.

A árvore é o natal, hoje eu sei, nossa sala uma outra manjedoura, e agora eu tenho esse poder que o amor concedeu, de fundar memória onde só existia ausência.