AS PESSOAS E AS COISAS (ou aqueles objetos que perduram depois de nós)
Quantas e quantas vezes aquilo chegou à mesa de nossa casa! Vinha com arroz soltinho e fumegante, que mamãe acomodava levemente, a boca cheia d’água, numa folha de alface, devorando ávida e estalando a língua entre os dentes branquinhos.
Às vezes vinha com vagem e dois ovos, traquinagens de meu pai, gourmet que misturava tudo com petit pois – sabe, aquela bolinha verdinha que só muito mais tarde passei a chamar de ervilha. Não sei por que ancestralidades anteriores à raiz nordestina, papai gostava desse trato à bola, afrancesava como convinha...
Mas, talvez já inquieto, o caro leitor se pergunta: o que é isto, ou melhor, o que é aquilo? Então eu respondo: trata-se de uma travessa oval de duralex branco, com raminhos de trigo azul pelas laterais, herança humilde do pequeno espólio de minha mãe querida.
Faz muitos anos, mas muitos anos mesmo, que essa travessa participa da intimidade da casa. Assim, como uma coisa entre coisas – a coisa-travessa dentro do rol de coisas que chamamos vida –, que é como percebemos de dentro nossas próprias emoções! Hoje me pergunto por que certos objetos (e quem não os têm!?) se fazem essas presenças tão perpétuas em nossas vidas?
Fico pensando nos egípcios, suas coisas encobertas em milênios de areia e pedra e pó. A conservação da matéria onde não mais circula e ferve o sangue. O jarrinho de barro, a pulseira de ouro, o ouro dos ritos e o ouro de tolo, a insistente tolice de perdurar a qualquer custo... Por quê? Escava. Descobre. Resgata. Mas nunca que ressuscita! Que fizeram ali, por longos e longos anos, aqueles objetos quase intactos, carcaças de sentido, como que numa busca desolada de alma?
Errantes em desertos vários, submersos em tempestades de areia, ressuscitados em sonhos breves, como oásis de significado na miragem da vida: as coisas lá estão, à espera de novas pessoas... Assim se comporta a travessa de louça – perfeitamente quebrável! – de mamãe! E, no entanto, indestrutível!
Foram-se minha mãe, meu pai e boa parte da família... A travessa teimosa subsiste. Defendendo-se de mãos apressadas e faxineiras afoitas, das minhas próprias mãos descuidadas e aflitas, depois de algumas taças de vinho, protegendo-se do encanto que chama do não-existir.
Aqui está, agora, na mesa da minha casa, dando esse mesmo sabor fumegante e antigo a um prato de camarão...
Às vezes vinha com vagem e dois ovos, traquinagens de meu pai, gourmet que misturava tudo com petit pois – sabe, aquela bolinha verdinha que só muito mais tarde passei a chamar de ervilha. Não sei por que ancestralidades anteriores à raiz nordestina, papai gostava desse trato à bola, afrancesava como convinha...
Mas, talvez já inquieto, o caro leitor se pergunta: o que é isto, ou melhor, o que é aquilo? Então eu respondo: trata-se de uma travessa oval de duralex branco, com raminhos de trigo azul pelas laterais, herança humilde do pequeno espólio de minha mãe querida.
Faz muitos anos, mas muitos anos mesmo, que essa travessa participa da intimidade da casa. Assim, como uma coisa entre coisas – a coisa-travessa dentro do rol de coisas que chamamos vida –, que é como percebemos de dentro nossas próprias emoções! Hoje me pergunto por que certos objetos (e quem não os têm!?) se fazem essas presenças tão perpétuas em nossas vidas?
Fico pensando nos egípcios, suas coisas encobertas em milênios de areia e pedra e pó. A conservação da matéria onde não mais circula e ferve o sangue. O jarrinho de barro, a pulseira de ouro, o ouro dos ritos e o ouro de tolo, a insistente tolice de perdurar a qualquer custo... Por quê? Escava. Descobre. Resgata. Mas nunca que ressuscita! Que fizeram ali, por longos e longos anos, aqueles objetos quase intactos, carcaças de sentido, como que numa busca desolada de alma?
Errantes em desertos vários, submersos em tempestades de areia, ressuscitados em sonhos breves, como oásis de significado na miragem da vida: as coisas lá estão, à espera de novas pessoas... Assim se comporta a travessa de louça – perfeitamente quebrável! – de mamãe! E, no entanto, indestrutível!
Foram-se minha mãe, meu pai e boa parte da família... A travessa teimosa subsiste. Defendendo-se de mãos apressadas e faxineiras afoitas, das minhas próprias mãos descuidadas e aflitas, depois de algumas taças de vinho, protegendo-se do encanto que chama do não-existir.
Aqui está, agora, na mesa da minha casa, dando esse mesmo sabor fumegante e antigo a um prato de camarão...