MALUCA SOU EU
Ela me lembra hoje, à distância, Anne Hathaway, em
muitos momentos de O Diabo Veste Prada. Era bem branquinha, cabelão com franja
quase cobrindo os olhos negros e profundos, boca enorme que, no entanto,
pronunciava as palavras com delicadeza. Chamava-se Lygia, vinha de Niterói para
dar aulas no grupo escolar onde eu fiz o primário.
Uma professora inesquecível, sem dúvida! Desde o
primeiro dia de aula, me encantou. Muito jovem, não tinha mais de 25 anos,
temperamento forte apesar da palidez da pele, e ainda por cima envolta na névoa
de quem vinha da cidade. Descia todas as manhãs no ponto de ônibus em frente à
minha casa, subia com graça a ladeirinha rumo à escola.
O dia ainda escutava os últimos agudos dos galos
madrugadores enquanto eu, muito menina, já de pé, lavava o rosto, vestia o
uniforme, tentava acertar o laço de fita azul marinho que fechava a blusinha
branca. Minha mãe dormia sem culpas porque, embora eu fosse a filha única da
casa, nunca me deu maiores regalias. Eu que me virasse por conta própria.
Meu pai, nessas horas, levantava comigo e me preparava
um café, nada de breakfast, café puro,
cheiroso e quente, que dava energia para a manhã que vinha pela frente, até a
hora da merenda. Eu subia afoita a ladeirinha, chegava quando já se ouvia
o hino no pátio. A criançada enfileirada e sonolenta não entendia nadinha do
que cantava.
Me posicionava nos primeiros lugares da fila, era
uma das menores, não via a hora de entrar e estudar – confesso, eu gostava
daquilo! As aulas de Dona Lygia (era assim que a chamávamos, cheias de
admiração e respeito) eram boas de ouvir e de ver. Acho que minhas amigas não
percebiam tanto, eu já tinha lá essa mania de olhar o mundo com poesia.
Quando a aula acabava, minha estratégia era ficar enrolando
para descer com ela a ladeira. Queria estar mais próxima, quase como se fosse
amiga íntima daquela pessoa que admirava tanto. Um dia, levei minha boneca para
escola e desci falante ao lado da professora. Com ela ia outra moça, as duas
falavam com muitos gestos, do que falavam?
Foi então que ela fez umas caretas e trejeitos, dançou,
deu uns pulinhos e a amiga riu. Ingenuamente resolvi mostrar minha presença e
entrar no assunto. Fiz o comentário infeliz: – Ih, Dona Lygia, parece uma
maluca! Ela não gostou, ficou vermelha, me cobriu de um esporro tão vergonhoso,
que não consegui dizer mais palavra alguma.
Entrei silenciosa em minha casa, fui para o meu
quartinho, abracei minha boneca (coisas que eram minhas, sem resistência e sem
reservas) e chorei até dormir, sem vontade de almoçar. Desde então, Dona Lygia quebrara
o encanto, não era mais a minha professora querida porque não podia compreender
que maluca não era desrespeito, era elogio!