terça-feira, julho 12, 2016

O FOLCLORE

Era miúdo, muito branco, com uma cabeleira farta da cor castanha, chegada para o claro, que ajeitava com gumex em um topete de responsa, escalando para o alto da cabeça. Muito gabola, sempre engomadinho e aprumado, guardava na pele baça uma ferrugem; era primo da minha mãe, e a parte dele na família conseguia ser ainda mais pobre que a nossa.

Viviam todos num casebre de tijolo aparente e telha canal, lá pelos lados da vila, cedido pelo fazendeiro bonachão, que ocultava a fortuna por trás de uma autoridade simples e popular. Família numerosa, a mãe jovem, dedicada e viúva, distribuía os filhos nos afazeres da fazenda; acreditava pagar com a moeda do trabalho a morada e outras pequenas regalias.

O primo arrumadinho, nos seus devaneios juvenis, parecia não se dar conta do abismo que havia entre ele e a filha do fazendeiro; ignorante das leis sociais, tomou-se de amores pela moça. Ela, estudada e gentil, bela e contida, tratava o rapaz com amizade e respeito, no que ele, apaixonado e confuso, viu, talvez, uma chance de lhe abrir o coração.

Era noite de lua clara, e o luar de tão branco acentuava o amarelo da lâmpada fraca na varanda da fazenda; noite bonita, escolheu as mais belas palavras do seu vocabulário sofrível. Mais belas e mais sonoras, mais pomposas e impactantes, palavras emolduradas num tom de voz que julgou adequado à circunstância, embora formal para uma declaração:

– Queria dizer que te amo, mas quem sou eu para você, logo eu, um simples larápio!

A moça não conteve a sonora gargalhada que ecoou nos pastos, respingou na dignidade do nosso atabalhoado primo, mas deixou um pouco mais rico o cruel folclore da família.