sexta-feira, novembro 09, 2012

O DOCE CHEGA MAIS RÁPIDO

1º Ato – A estufa

Um cacho de bananas amadurecia lentamente, dia após dia, lá no fundo do quintal. Observava seu amarelar progressivo e silencioso. Sabia que meu olhar para aquilo, e para tantas outras coisas daquela família, era diferente, embora não soubesse explicar por quê.

Meu avô materno era posseiro e usava umas terras devolutas, de onde tirava o sustento da família numerosa. Plantava o pão no quintal e, de poços mal cavados na argila, trazia o peixe e a rã, além da água salobra que nos tirava a sede.

Éramos tão felizes! Um bando alegre inventando a vida plena de enxadas, ancinhos, foices e martelos, a pregar as tábuas distraídas na porta da morada.

Eu via tudo, guardava tudo nem sei bem aonde, talvez num recanto fugidio da memória que hoje acende e apaga, como os vagalumes nas noites calorentas lá da vila, envolvendo a criançada suada brincando de pique-bandeira até cansar.

Meu avô tinha um esconderijo estranho, coberto de folhas secas e caixas de papelão. Um dia quis desvendar aquilo e descobri que eram bananas, ocultas e muitas, espremidas e acinzentadas, esperando um fim. Perguntei do que se tratava e me disseram que era uma estufa.

2º Ato – O telefonema

Ela me ligou, dizendo que disse coisas a ele. Disse muitas coisas, e continuou dizendo, dizendo. Eu ouvia em silêncio. Achei, ao final, que ela tinha falado demais. Argumentei calmamente, como quem toca uma pétala da própria vida, para não ferir sua delicadeza. Ela ainda é jovem demais!

De fato, viveu muito, tateou momentos intensos, saboreou amarguras tais que lhe trazem essa certeza de inabalável sabedoria. Ele procurava apenas uma namorada. Ela aconselhava, dizia coisas, espalhando confiança, construindo muros e definindo estratégias de ataque e recuo, prontinha para uma nova guerra.

Cavaleira armada até os dentes contra moinhos às vezes tão inofensivos!

3º Ato – A prova

Lá estava a bananeira, com seu cacho simétrico e gomos amarelando, despertando a gula dos pássaros e da família. Voltei à estufa numa manhã. Precisava de respostas. Distinguia as bananas da estufa das bananas do cacho, que eram nossas. Esperávamos por elas do mesmo modo que os cajás, as jacas e os abacaxis, o tempo que fosse preciso.

Fiz perguntas e pedi uma daquelas bananas que dormia abafada ali, sob um lençol de trapos. Amarelava à força, mostrava-se madura. Comi como quem observa a mastigação. Ouvi a pergunta irritada daquele tio meio impaciente, nem aí para tudo o que um coração inquieto sentia naquela família: “Tá doce?”

Eu ainda sentia o travor da fruta esmagada entre os dentes, subindo pelas gengivas. Respondi: “Tá, mas é diferente!” E ele prontamente me respondeu: “É que o doce, nessa, chega mais rápido.”

Epílogo – De bananas & meninas

Desliguei o celular e humildemente fiquei pensando. Primeiro nela e no que me disse, na singeleza das suas respostas, na voz trêmula quando colocada contra a parede. Senti pena! Eu precisava dizer o que disse? Daquele recanto fugidio da memória que hoje acende e apaga foi emergindo uma lembrança muito clara, muito presente, com cheiro, cor e espanto!

Até que tudo se misturou, bananas e meninas, dissolvidas na acidez da vida. Meu coração deu saltos e se esparramou pelos quatro cantos da casa. Compreendi que algumas meninas aprendem as coisas da vida antes de seu tempo, como as bananas na estufa. É verdade, amadurecem depressa.

Na moça como na fruta, a adstringência, o travor e a cica são os mesmos, quando o doce chega mais rápido.